Uma Democracia em Crise de Meia Idade

Acordei para o dia 26 de abril com um travo agridoce.
No ano em que celebramos 50 anos sobre a magnífica Revolução dos Cravos, sinto que a Democracia se queda doente — quem sabe, a vivenciar uma crise de meia idade.

Diana Santos
3 min readApr 26, 2024

Por um lado, a alegria de ver um oceano popular sem igual nas ruas, de face clara e genuinamente erguida contra o Fascismo de outrora e de agora. Por outro lado, pessoas e partidos que polarizam discursos do “nós contra eles”, alas contra alas, direitas a embater com esquerdas e esquerdas a desmentir direitas. Dedos que se apontam e ideias que se agudizam. Nas redes sociais, são mais as publicações de confronto e de acusação — menos a clarificação de ideais, a discussão de propostas, os consensos e os debates construtivos.

Feliz da Assembleia que reune ideias divergentes. Que possa ser sempre assim, plural e colorida, como queremos que afinal o seja a sociedade em que vivemos. O que espero dos deputados do meu país é que se escutem — que sejam o modelo, na prática, da cortesia e da igualdade que defendem. Que construam pontes e aceitem sem filtros sugestões leais e úteis a todos. Que caiam os rótulos da esquerda ou da direita, dos conservadores ou dos liberais. Que possam entender o direito a existir de várias perspectivas sobre o mesmo assunto. Que a última e maior finalidade da Constituição é o respeito por si e pelo outro.

Há certamente um caminho do meio que fará sentido para todos. Talvez um caminho que resulte da média quase-aritmética e esculpida de todos os caminhos que pudermos trilhar, que tanto integre outliers como pontos convergentes.

Photo by Dmitry Tulupov on Unsplash

Pergunto-me: o que fez do dia 25 de Abril de 1974 um dia tão brilhante, oxigenado de alegria e esperança do futuro? Aquela multidão vibrante de gente tinha um inimigo comum — os Governantes do Estado Novo, os Pides, tudo o que representava a podridão e o cinzentismo do velho regime. Mas aquela consonância e união popular foram também sol de pouca dura: até ao 25 de Novembro do ano seguinte, as posições extremam-se ao ponto do insuportável. E a História foi — felizmente, no meu ver — moderada pelos zeladores da Democracia. Por muito que os 50 anos seguintes pudessem ter sido mais justos, mais progressistas, menos corruptíveis — não consigo imaginar sem danos um Portugal que hoje estivesse fora da União Europeia, e que tivesse sido sufocado por outro regime autoritário.

Certamente, é uma espécie de crise da meia idade o que vive a nossa Democracia. Insegura e débil, recorda nebulosamente os últimos anos — dificilmente reconhece os melhores feitos, as suas qualidades. E turva-se-lhe a vista quando contempla o futuro. Há um desdém, uma mágoa frustrada por não saber por onde ir. É uma dor assistir a este negrume da alma — sabendo que, como qualquer período sombrio, há uma transformação a fazer até emergir para uma nova luz. Mas pergunto-me — Portugal, por quantas noites escuras irás tu ainda perscrutar as sombras? Por que dores e crises teremos de passar até à tua metamorfose?…

Há uma nova flor de Liberdade por vir, não lhe reconhecemos a forma mas já lhe sentimos o perfume. E brotará quando o lodo, o nojo e o ódio se dissiparem das conversas — porque cada um de nós se tornou realmente livre de padrões, fanatismos, e outros logros do ego.

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Diana Santos

Product Strategist and UX Designer. Poet, writer, woman, mother. Seeker and learner, passionate about the strength of intent and the power of action.